quarta-feira, 30 de maio de 2012

Na Igreja

Um templo sem pastor choram os fiéis
sob a sombra do Altíssimo choram os fiéis
passa o auto em velocidade alta
no adesivo do vidro o deus sorri
na efêmera letargia da cidade

a Igreja

lamentos na igreja
duas portas abertas para o céu
tragam fiéis dizimistas
lamentos do profeta morto
sob o leite derramado
Imagem: Anna Lea Merrit, Love Locked Out, 1889.

Reflexões

do meu ânus sai um poema
que fala de amor
do meu pênis sai um dilema
que fala de dor
como poeira e cago poesia
mas é tanto açúcar e insulina
que meu ânus não aguenta
que as artérias dilatam-se

o coração não bate
o pulso não pulsa
o pênis não levanta
é tanta cafeína e anfetamina
mais uns quantos comprimidos
de ritalina que tudo está controlado
dentro das normas celestiais
o telefone toca
tenho de ser cordial
ou pular a janela
sujar a rua ou outra coisa pior


O Peixe

a estrela mais bonita o menino comia
virava peixe ia-se embora
esquecendo-se das roupas à beira do rio
onde as estrelas vinham beber água

rio

ficar sempre na parte mais rasa do rio
rir quando cai uma estrela na água
tomar banho pelado no rio
frio fora da água

Cântico Novo

Tome uma asa de barata
voando em minha cozinha, cozinhe
um bando de velhos, ao molho
num calhambeque velho
falando besteira na tevê

Nenhuma comida na panela
o arroz está caro
o feijão um veneno
a carne de vaca velha tá de morte
com preço de boi
só me restam as baratas voadoras




sexta-feira, 25 de maio de 2012

a vida

a vida começa
quando termina
a mecha começa
quando a vida começa

Imagem: Kodi Smith McPhee. Deixa ela entrar (Let Come In).

Escrevo torto por linhas certas

o lápis arranha a pele da folha
o sono tarda enquanto o lápis desenha
à flor da pele a folha densa
dança à pele crespa
do poema teu

Imagem: Night Flight. Montagem

CANTICO DOS CANTICOS

queria tê-lo agora para beijar-te
simplesmente teu sono
tarde da noite não durmo
o lápis arranha a pele
da folha tardando o poema
que crespa crispa
por tempos findos
como canção que acaba
foi embora e o sono
cansa o tempo todo


Imagem: Edward Burne-Jones_”Last Sleep of Arthur in Avalon”

CANTICO IV

este poema é uma piada
tudo o que faço vale pouco ou nada
tudo o que tenho é uma filosofia
que não vale um espelho ou uma fotografia
as flores de plástico são
as flores que aprecio
roubo-as do cemitério
adoro as tumbas douradas
que não possuem nomes
aquelas que são monturos
de defuntos esquecidos
os  mortos são os únicos
que merecem meu respeito.

Imagem: Montagem artística.

CANTICO III

meu deus é uma caneca
meu deus é uma boneca
de plástico inflável
meu amor inflamável
não acredito nas guerras não
creio em contos de fadas
não como carne de peixe
não palito os dentes
não penteio os cabelos
não quero festas de aniversário
não quero enterro enfeitado
meu livro é um só poema
minha vida é um dilema
meus filhos eu nunca ví
vivo na terra do sol a pino
onde chifre e miolo derretem


Imagem: Kodi Smit-McPhee. Montagem sobre fotografia.

CANTICO II

não sei falar de amor
não vou falar de amor
não sei falar de amor
nunca fui amado
tudo o tenho é dor

meu nordeste
não tem música
meu leste não tem sol
meu sul
não tem vento frio

minha terra não é terra
meu país não é país
meu povo não é povo
minha gente não tem dente
aqui ningém sente inspiração
de poeta quem tem comida
não tem meta de barriga vazia
perdeu a reta quem teve meta.


Imagem: Garotos balançam em árvores no Central Park de Nova York, Estados Unidos. A foto integra uma coletânea de imagens de fotógrafos famosos e embaixadores da ONU que registram a situação dos direitos da criança pelo mundo.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

SÓ EU

Só eu sei dos tolos
que encontrei nos caminhos
só eu sei dos sonhos
que sonhei em pergaminhos
mas o seu sorriso
salvou-me da agonia
e ainda hoje me lembra
a infância dos sonhos
distantes todavia

































Imagem: Bernard Mybung. Hedhairedang.


segunda-feira, 21 de maio de 2012

o feto

o fato do teu feto
ser afeito ao afeto
não faz sentido

Imagem: Fernand Allard L'Oliver (1883-1933- Belgica) , Allegorisch Tarereel.

Essa terra

essa terra não tem meta
não tem poeta essa terra
só tem mata essa terra
derrubada floresta queimada
essaterra que cheiro
que nada só fumaça

essa terra não inspira
quase não saio poeta
quase não gosto do que vejo
prefiro meu quarto inteiro
rezo deitado sob a lama
neste quarto triste desanimado
por completo morto

já rezei o alfabeto
do teu corpo abstrato
que revelou-se indecente
quimera inclemente
fera movente morte
de poeta é sorte.


Imagem: Renato Guttuso, Boy and Lizard, 1978.


homem velho

a velhice faaz feio o homem
nos mostra a cara entorpecida
entristecido olhar da face
enrugada de sorriso esquecido

só os malvados ficam velhos
os jovens morrem antes
de tristeza e dor

glória nenhuma há na velhice
desonra somente o velho ser
bastardo de sí mesmo
o tempo nos faz falsos
dissimulados
a feiura fere a pele do velho


Imagem: Anna Lea Merrit, Love locked out, 1889, London Gallery.

Os gritos histéricos dos santos

"Quando você for jantar com alguém importante, não esqueça quem ele é. Se você é guloso, controle-se. Não tenha pressa de comer a boa comida que ele serve, pois ele pode estar querendo enganar você. (Pv.23:2)

na igreja as verdades
são ditas aos gritos
sussuros obrigatórios
no céu entre santos
o pecado é consagrado
não deve ser alardeado
o pecador ficará chateado.

Imagem: Albert Samuel Anker, Die Knochelspieler, 1864, Museu Gruerien, Suiça.

vôo final de Osíris

desenfreada e louca a vida
coragem desenfreada pela vida
lutar é a única razão de viver.


Imagem: Christian Wilhelm Allers, Pompejanischer reigen n°3, 1913.

minha reza

com você aprendi a rezar meu credo
toda noite rezo
meu sexo
com minhas mãos.

Imagem: Esteban Alessa , The incestuous lover, 2006.

Meu protesto

meu protesto é contra
a estética já que meu poema
não tem ordem
minha vida alfabética
mesquinha doença diabética


Imagem: Christian Wilhelm Allers, óleo sobre tela, Boy, 1913.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

o que nos separará do amor de cristo?

nem a morte e nem a vida
nem os anjos nem os arcanjos
nem o presente e nem o presunto

poesia ou comida

poesia é comida para ser consumida
poesia é comida para ser comida
depois de cem anos de ser colhida
não escrevo para as bestas do campo
não escrevo para as bestas urbanas
escrevo para vocês que estão aí
cem anos antes do nascer do sol

Imagem: Pierre Bonnard. Charles et Jean se baignant, Robert pres du bassin, 1899.

no buraco

no buraco que chamo de casa
onde escondo meu corpo
do olho do outro
tem um cheiro de urina de rato
cheio de teias de aranha
de caminhos de caminhar
baratas e formigas

não há detetive
que detetize a nojenta
poeira dos livros apodrecendo
quem pensa que pensa não aguenta
o cheiro de bosta de rato

há uma sociedade organizada
de animais minúsculos
que vivem em minha casa
embaixo da minha cama
estao em constante reunião
em discursos inflamados
reunidos em assembléias
filiando-se em partidos
organizando religiões.

frequentam lugares frio e quentes
lugares húmidos e secos das dobraduras de meu corpo
é um lugar organizado com câmeras de vigilância a postos
com soldados postados em prontidão
nas esquinas dos dedos das mãos e pés

a guerra dos insetos começou
já teve início o controle de natalidade
há um ar de paranóia no ar
a terra está em transe
algo vai acontecer
meus intestinos já pressentem
o fim do mundo chegou.


Imagem: Margaret Bourke-White. Moscow, Russia, 1941.

O TOURO MECÂNICO E O ROBÔ ATÔMICO

vim ao mundo na hora errada
nascí antes do tempo marcado
como rebento prematuro
faltando osso no cérebro
crescí entre macacos
que jogam bolotas
no meu casco azul nasce fungos
tadas as vezes que falo errado.

mas não importo-me com isso
sei que não sou daqui
apesar de tentar viver entre mamíferos
tenho o sorriso da galinha
que viu o pássaro voar
que viu o passado
virar caco de vidro
da vidraça quebrada
pela estatua do santo
do aleijadinho

em pé resito às tempestades
que assolam o casco da nave que me leva
do navio que voa à plenos ares
enquanto da janela sorri a moça
que cavalga o touro mecânico
do rodeio infernal que é a vida de quem não tem ninguém

mas como disse desgigo
o dito interdito do santo
que abandonou a batina deixando
a beata besta da vida
enfurecida com o mendigo abandonado
na esquina tem um doente mental
que grita Aleluias ao deus de jerusalem
belem, belem, belem
para anunciar o evangelho
no deserto da judéia lá de casa
em parceria com o robô atômico colorido
com hálito de naftalina.


Imagem: Anne Wardrope Brigman, Stardust.

Oração

Senhor, faça nascer um câncer no reto, na cloaca
dos pastores homofóbicos
que uma hemorróida enorme os consuma a todos
desde as entranhas
que dos cús dos pastores homofóbicos
nasçam pústula fétidas
e se encham de picas enorme do deus daganin
que o pinto do deus daganin
preencha o reto dos pastores homofóbicos
preencha o reto dos senadores homofóbicos
preencha o reto dos deputados homofóbicos
preencha o reto das pessoas comuns homofóbicas
que o ânus homofóbico caia e no lugar nasça uma ferida medonha
daquelas das chagas do Egito
das maldições de Babilônia
das feridas de Faraó

que do cú dos presidentes homofóbicos
saiam serpentes que lhes comam a língua
Ò Senhor Deus dos desgraçados
dizei-me ò Deus
quando os cús dessa gente vai cair.

Colabore com as crianças
http://gabrielpollaco.blogspot.com.br/2012/03/luta-de-mais-uma-mae-para-cuidar-do-seu.html

Imagem: Juan Buhler J., Barcelona, 2005.

A pastora de Daganin

A pastora de Daganin
serve ao deus daganin
o pênis de daganin
tá no cú da pastora de daganin

A vagina da pastora de Daganin
ferve ao som da dança de Daganin
Daganin é o deus da dança
da pastora de Daganin
Daganin, deus das planícies
enfia o pênis na vagina da pastora de daganin
que está no altar de daganin
o pênis de daganin
penetra o ânus da pastora de daganin

http://www.youtube.com/watch?v=yXCgqlxKuwQ

O deus de cú de fora

O deus do cú de fora está com o cú de fora
o deus do cú
do pastor homofóbico
está no cú do pastor homofóbico
sujo de bosta
porque saiu do cú
do pastor homofóbico.

o deus do cú
do pastor homofóbico
tá sujo de merda
do cú do pastor homofóbico
do cú do pastor homofóbico
do cú
do cú
do cú, cú, cú, cú, ..., ..., ...,

Imagem: Balys Buracas. Crianças de Vila Lituana.  

A estrela Vésper (William Blake)

Louro anjo vespertino, agora enquanto o sol
repousa na montanha, acende o teu brilhante
Facho de amor; na fronte a lúcida coroa
Cinge, e sorri à nossa alcova adormecida.
Sorrí ao nosso amor! e enquanto descerrares
o cortinado azul do céu, derrama o argênteo
Orvalho em cada flor, cujos olhos se fecham
Ao sono. Faze o vento adormecer no lago.
Pede silêncio com teus olhos bruxuleantes
E lava a escuridão com tua prata. Em breve,
Em breve partirás: feroz já uiva o lobo
No descampado e ronda o leão na mata escura.
O velo do rebanho está coberto com
Teu santo rorejar: que tua influencia o ampare!

W. Blake foi o mais importante poeta do século 19 que soube transpor para as letras e a arte toda a angústia de uma alma atormentada pelo convívio social conturbado em um mundo onde o indivíduo é reduzido à mais ínfima parcela diante da monstruosidade do sistema produtivo que nos sufoca e oprime.
Veja também o clipe abaixo e pense no Louro anjo vespertino trazido pela estrela Vésper.

http://www.youtube.com/watch?v=7H4NwKxSTEs&feature=relmfu


Imagem: William Blake. Satã observando o amor da Adão e Eva.Museu de Belas Artes. Boston. USA.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

não me pareço

não me pareço
com ninguém
que eu conheço
nem comigo mesmo
o sujeito que está lá em casa diante do espelho
não sou eu que estou lá em casa diante do espelho

Imagem: Evgeny Mokhorev. Myha u zerl.

Operário

operário da construção
músculo moldado emoldurado
pelo concreto torso nú
enegrecido pelo sol do dia a dia
na luta insana pelo pão
na vã filosofia da força bruta
suor do dia todo
todo dia

torso nú de mão calejada
carinho bruto que lamenta
sua eterna ausência
da mulher amada na pedra lapidada
a sangue e suor
da paixão desgraçada
cumprida a tiros

Imagem: Evgeny Mokhorev, sem título, famoso fotógrafo russo, nascido em Leningrado-1967.
Veja mais em:  http://nailyaalexandergallery.com/artist/evgeny-mokhorev



Você está bem demais

hoje te vi passando por acaso (passando)
rua a fora seus cabelos ao vento
lisos eram como pessoas correndo
seu corpo leve flutuando deslizava pela rua
em meus sonhos mais felizes não te vi assim
do tempo que desatina e alucina meu cérebro
no alvo da pele de teu ventre
nos pêlos ao toque da ponta dos meus dedos
dentro do teu umbigo tem um rio que molha
a rua da minha casa
ví você virando a rua
então acordei sentado olhando a pedra entre meus pés.

Imagem: George MORHAM, Waverley Market, Edinburgh, UK, c. 1885.

Anjo decaído. O menino triste

mantem tao inclinada a cabeça
ninguém olha-lhe os olhos se olhassem
veriam o inferno dentro d'alma
são como animais e vivem do lixo
mas alimentam o luxo com seus afetos
das meninas sujas que depois de um banho
perfumadas filhas da classe média que passa
de vidro levantado e ar ligado no sinal

Imagem: MUCHA, Alphonse Maria (1860-1939). Sem Título.

anjos decaídos. Nova Visão

como anjos decaidos caminham
pela terra que não deu-lhes a paz
caminham sem rumo pela terra que os pariu
meninos e meninas olham o vazio
e ante do amanhecer tudo volta ao normal
o futuro foi antes de ontem
morreu despedaçado na calçada em frente àquele Banco
ninguém viu foram todos ao mercado comprar peixe
para a festa de são joão menino
não aconteceu nada foi
só um sonho que não aconteceu
foi só um susto
já passou


Imagem: Eadweard Muybridg, A Summer day's Sport, 1880.


anjos decaídos. o retorno

de repente num lampejo
olha a alma sai correndo
alha a arma e já não há tempo
o fogo que mata atravessa
o peito nu de encontro ao vento
cai ao chão manchado de vermelho
o menino pálido atrapalha o transito
caído na rua onde os carros passam apressados
o sangue fertiliza o solo
mancha a terra dos homens que não se amam

Imagem: Eadweard Muybridg (plate 167, from animal locomotion. Jumping over a boy's back - leap-frog. 1884-1885.)

Anjos decaídos capitulo 2

não querem proteção
não querem coração
querem o monstro
fumam o monstro
bebem o monstro
aplicam em suas veias o liquido do monstro
finas e delicadas ruas azuis no escuro da noite
da noite aveludada de drogas facilmente encontradas
nas ruas escuras das noites frias e escuras
nos braços finos de menino ainda
perfurados pelas agulhas das dores maternais
olham o olhar perdido de criança sem mãe e sem pai
vendem o corpo em troca de uma nova alma
de uma nova arma

 Warren Cup ( copo de prata) Presumidamente do periodo da Dinastia Julio-Claudiana no século I a.C.

ANJOS DECAIDOS

como seres inanimados
caminham eles e elas
pelos becos e ruelas
maltrapilhos e rasgados
com suas genitálias expostas
as meninas drogadas do meu bairro
os meninos drogados do meu bairro
acalentam sonhos de senhores
que lhes dão parcas moedas
para mais uma viajem
por um pouco de sonhos
psicodélicos

os meninos não brincam
os meninos brigam
os meninos matam-se como animais
são homens sem pêlos sem tê-los
desprovidos de pele que os proteka
não necessitam de proteção não
há que os proteja
não há que os queira
Imagem: Warren Cup (Copo de prata) Presumivelmente pertencente ao período romano, muito provável da Dinastia Julio-Claudiana sec. I A.C. Mais informações: http://en.wikipedia.org/wiki/Warren_Cup




o futuro está do outro lado da parede

do outro lado da parede do quarto da casa que vivo
já é o futuro de outro tempo que não serei
lá as gentes lê livros que flutuam no ar
árvores de plástico com motores invisíveis em seus miolos
exalam um perfume poético para que vivam melhor a vida
as mulheres vestem vestidos transparentes
delineando suas curvas encomendadas
com modificações genéticas melhoradas como
as santas de ontem flutuam no ar
pairam sobre o solo e são admiradas como deusas gloriosas
todos querem tocá-las mas não o fazem
são proibidos pois as mulheres são intocáveis deusas flutuantes
elas decidem a quem dar o seu amor e derramam
sobre o escolhido seus beijos adocicados

são amantes desde o dia que nascem
são amantes desde o nascimento
o hímen inexistente flutua nas nuvens das chuvas ácidas
barreiras de um passado distante

Imagem: Oleg Videnin, (fotografo russo)




Adão no paraíso (Garden of Evil)

Bebi o sêmen e comi a semente
comi a fruta e a semente dentro
serei castigado por Deus
o néctar dos deuses era
para os deuses e o manjar
dos deuses era somente o manjar
comí o manjar e o maná de Deus
de Moisés no deserto e
o corpo de cristo na ceia
do sangue crucificado e
o proprio deus entristecido
na cidade celestial
descendo por minha garganta
boca a dentro
o sêmen e a semente
da fruta proibida todo
o prazer de deus
sorvido em minha boca
palato duro tragado

Imagem: WALKER, Evans, (Sharecropper Bud Fields and his family at home, Hale County, Alabama, 1936)




bebi o sêmen do monstro

bebi o sêmen do monstro
diante dele orei ao deus
ajoelhado aos seus pés
em adoração ao homem
diante do trono de deus
bebi o sêmen do grande deus

o sol brilhava e o céu
desafiava o vento frio
nuvens escuras choviam pedras
de gelo no copo de gim
e eu pobre mortal
ajoelhei-me diante de Deus
e chorei lágrimas de sangue
minha virgindade foi dignificada
em louvor a Deus celestial
sugando do teu sol todo o calor
até que então o grande deus
derramou em meu mundo
sua glória celestial e
num gemido lancinante mostrou-me o luar
desde então corre em minhas mãos
um rio que não sabe para onde ir

Bebi o sangue de Deus
diante do altar do Senhor
bebi o sêmen do dragão
diante do Seu altar

Imagem: WEBB, Alex. Mexican Border, 1978.

deus

deus é um cara legal
cretina é essa gente que
diz ser amiga dele e
se metem a reformar o mundo
oprimindo ou comprimindo

deus é um cara legal
cretina é essa gente
que se mete a ser deus de nada
deus de tudo que é coisa
ruim de falar e fazer ao mesmo tempo
que diz que deus é ser o ser

deus é um cara legal
cretina é essa gente que
diz que foi ele que fez
essa droga de mundo que essa gente
insiste em dizer que
pertence somente a
essa gente cretina
que diz

 Imagem: WEEGEE, Arthur T. Fellig. Tenement Penthouse, Heart Spell, May 23, 1941.

com teus olhos de olhar o mar

com teus olhos de olhar o mar
vejo o mar azul dos teus olhos
que há nos teus olhos de olhar
o mar dos teus mares e de te
amares os mares e as marés e
os mares de todos os olhares
destes mundos e lugares desde
o teu olhar desvairado e endoi
decido

Imagem: WESTON, Edward . Nude of Neil, 1925.

drogado (I'm losing you)

dê-me ópio preciso
de um pouco de letargia
um pouco de lidocaína
em minhas veias cansadas
que batem sem que meu coração
lateja meu pulso que
não pulso o impulso.

sinto um gosto estranho
de algo amargo
na minha boca você
está inteiro dentro de mim
estou sujo mas água nenhuma lava
a mágoa da nódoa
não há como lavar-me por dentro

seu cheiro está embaixo
da minha unha e tua
poesia faz-me vomitar
delicadezas e ternuras realmente encantadoras
estranhas demais pra meu jeito infeliz
de sorrir para suportar
tanta coisa boa

preciso de mais um cigarro
preciso de mais uma dose
preciso de mais um analgésico
mais um ansiolítico,
já tomei remédio demais
quero um benzodiazepínico feliz
I'm losing you

 Imagem: WHITE, Clarence Hudson, Boys Wrestling (Meninos brigando), 1908.


mother

você me fez vir ao mundo
mas escondeu-se
escondeu-me do mundo
escondeu-me o mundo
você dizia que me amava
mas eu cresci e você não me ama mais
encontrou em meu irmão o sorriso que buscava
em meus lábios estive
o tempo todo
aqui esperando por
seu toque que transforma icebergs
sou gelo agora distante
você não me ama mais, mãe
de todos menos minha
dentro do meu peito cabe o mundo inteiro
devolva-me o mundo, mãe
estou sozinho e com frio
sem você
você me fez vir ao mundo
e se escondeu de meu mundo
mother, touch me or kill me
please, mother.

 Imagem: WHITE, Clarence Hudson. Bashful Child - (Criança tímida), 1899.

você não era quem dizia ser

se você tivesse mostrado
esse seu lado diferente
com certeza tudo
seria diferente
você se escondeu
por detrás da máscara todos
somos iguais
por detrás da máscara você
não se mostrou como era
falsa e transviada era como se
você não quisesse nem que
você visse esse seu lado
deslocada de dentro d'alma perdida
que era o que você sempre foi
além de tudo deixou-se corromper
pelo mundo do qual se escondia
e sem motivo algum se afastou de mim
com seu olhar perdido
fugia
podíamos ter falado mais sobre nós dois
teríamos salvo o mundo
o nosso mundo ao menos


Fotografia: WHITE, Clarence Hudson. Mrs. Willard Helburn with baby and two sons nude in a forest, 1919.

a rua da minha infância

que lembra a minha rua
a rua da minha infância de terra
batida se chovia escorregadia
poeira e frio se sol fazia
entorpecido sigo correndo
pelas ruas de minha infância entre carros
desgovernados e perdidos nos
sonhos de criança triste
que fui nos tempos dos dinossauros

 Escultura: Joaquin Cane Angles (1859-????), Idylle, bronze, 61 cm.

atropelado quando criança

ainda quando menino fui atropelado
atropelado por um automóvel móvel
como o vento que ventava do sul
frio como ventania invisível
jogado ao solo como pacote indefeso
na poeira vermelha como a lama do inferno
meu poema estava escrito na poeira levantada
pelo carro dirigido pelo motorista bêbado
que atropelou o menino que vinha de bicicleta
olhando as estrelas de olhos fechados
sentindo o vento nos cabelos que já não tenho mais
lá vai o menino de bicicleta descendo a ladeira
cabelos ao vento abraços e braços abertos
levado pelo tempo quando o choque
arremessa para o céu do olhar
no atropelamento do menino o poema sai voando
estrelado estatela no solo a solidão do menino
que vinha sonhando com as estrelas
hoje quando vai chover o poema encravado
no joelho dói na articulação da junta desconjuntada
no tombo do atropelado
um século se passou mas o tombo ainda é um poema.

Escultura: Benjamin Paul Akers, Dead Peare Diver (Pescador de Pérolas Morto), Portland Museum of Art, OR, USA.

meu primeiro poema

na terra poeira fofa
do chão batido levanta
ao vento de onde vêm as palavras
impressas na poeira levantada
do chão com os pés
caminhantes de dedos marcados
molhados pela chuva lamaçal
cravados na terra poeira
na lama vacila o pé caminhante
da rua que vai ao trabalho
da rua que vai à escola
da sua rua que te vê da janela
menino doente que não vai à escola
vai a lugar nenhum da janela
contempla o mundo que passa na rua
da sua crua rua solitária o sol
a pino aponta rodopiando de repente
levantando a poeira que cega o olho
do cego que passa vermelho
como o inverno no inferno
rompe barulhento jogado contra
a vida que passa rápido
de trem
correndo bato a poeira
sigo o caminho por seus olhos


Escultura: Eugene Antoine Aiezelin (1821-1902). Agare it Ismael (Agar e Ismael) -1898. escultor francês. A escultura em mármore está atualmente no Palacio de Luxemburgo, sede do Senado Francês. Para Visita virtual clique:  http://www.senat.fr/lng/pt/palais.html

Daniel na cova dos leões

não temeu mas enfrentou o medo
olhos faiscando rugiu
para o leão que
de peito aberto não se fez
segredo
cabelos incendiados ao vento
num carro de fogo foi
aos céus

desde menino cuidava
para que os leões estivessem
do seu lado sempre esteve
nos circos da vida os leões
fazem espetáculos trazia sempre
na ponta dos dedos
o leão mais velho
como mascote tem Daniel
alimentado os leões na cova
corajoso o menino de cabelos incendiados

 Gravura: RUBENS. (Daniel na cova dos leões. Natinal Gallery of Art, Washington, D.C.)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

quatro e trinta

(para Théo Van Gogh, que mostrou uma verdade e foi morto por isso)

quatro e trinta  longe
vai a noite bruma extinta
madrugada finada
que sono que nada
não dorme o deus de israel
mas não sou anjo nem
miguel arcanjo
quisera ter sono menino
pesadelo real

nao dorme o deus de israel
mas nao sou judeu
nem arabe
nem maomé
sou do lado de cá
e nenhum deus vive aqui
todos temos nossos mosntros
mais que a nos mesmos
tudo seria mais fácil
se não fosse trabalho
puxar o gatilho junto
ao ouvido como em segredo.


Théo Van Gogh ( 1957-2004)

o elefante

o elefante levanta a pata para não
matar a formiga
grande bicho
que ama a
pequena bicha

Imagem: Hellen Levitt (New York, 1940)

meu nome numa placa

não quero meu nome numa placa
não quero meu corpo numa maca
quero somente meu sexo
quero somente meu nexo
quero minha pele
quero minha cara
minha cara pintada de vermelho
assim como comida e cultura
requentada como comida de marmita
de ontem para amanhã
quero o amanhã na marmita


Imagem:
Helen Levitt (four Boys, New York, 1940, The Metropolitan Museum of Art, New York, NY, USA).

quando olhei no teu olhar

quando olhei no teu olhar
atinei que o mundo inteiro tinia
de tilitidade.

Imagem: Heirich Kuehn ( foto de Walter Kuehn, 1905).

DE DENTRO PARA FORA

como coveiro estou
fazendo covas como
caveira dando risadas
tudo o que toco como Midas
cai, morre ou apodrece,
assim é o homem que
dentro de meu peito segue
secando rios sem fim

Imagem: Heinrich Kuehn (foto de Hans Kuehn,1905).

IMPERMEABILIDADES

TEMOS UM OUTRO BLOG DE POEMAS FECHADO PELO MONSTRO GOOGLE.COM SEM QUE EU POSSA ENTENDER POR QUE:
http://impermeabilidade.blogspot.com.br/
VÁ LÁ E VEJA SE VOCÊ CONSEGUE ENTENDER.

O tempo

lento e quente
com o passar do tempo
tornam-se os dias de quem
olha a retina exposta indisposta
rotina da vida que se esvai
como veia entre os dedos areia
como sangue azul
de vaso venoso rompido
artéria dilacerada rasgada
como pagina virada como rio
que corre no leito e morre
no mar.

enquanto isso acontece nada
chaga o ônibus ao ponto final
que me engole no centro
da cidade onde antes
era rio que tinha praia
penso nos coqueiros metafísicos que bailavam
ao vento que vinha do sul e o rio segue
embaixo do concreto agora
esgoto feito discreto fato
sem motivo de riso
perde-se o rio embaixo da cidade onde
um dia era cachoeira
sem piedade agora
somente pasmaceira.


Imagem: Thomas Eakins (History of a Jump, 1885).

terça-feira, 15 de maio de 2012

meu amor me olha

o meu amor só vem me ver
quando quer
quando os ventos o trazem ele entra
nos meus aposentos como quem flutua
basta deixar a porta aberta
deixei a porta do meu quarto
aberta entre por ela meu amor
entre como quem flutua
como a pluma da paineira
venha dançar com o vento dos meus sonhos
com sua dança faça-me levitar
navegar em mares ondulados

quando meu amor
me aquece e derrama
seu óleo sobre mim
cingindo todo meu coração o sol
acorda por detrás das nuvens de chuva
espantando o vento frio e aquecendo
minha alma triste e pobre como quem
esquece a dor de uma existência triste

meu amor sorri travessuras
quando vem me visitar é como se estivesse roubando
meu coração entra em meu quarto
leva de mim todo
o peso que havia em minha alma

meu amor me olha como se fosse
água que cala o fogo que há em mim.


Imagem: Jill Freedman Cops and guns 1970.

a vida não faz o menor sentido

                                                                                                                   quem honra aqueles que ama
                                                                                                                               com a vida que leva?
                                                                                                     quem manda monstros para nos matar
                                                                                        e ao mesmo tempo diz que não vamos morrer?              
                                                                                            quem nos ensina a verdade e rir da mentira?
                                                                                                                quem decide porque vivemos?
                                                                                                           e quem morre para nos defender?
                                                                                                                                         (Zack Snider)
A vida não faz o menor sentido.

pratos e talheres sobre a pia banquete
das baratas e outras traças
arrecadação de impostos
verbas públicas e dízimos
ofertas consagradas e banquete
nas festanças de ladrões

os insetos tomaram conta do meu quarto
da minha cozinha e infestam minha casa
enquanto um câncer consome minhas entranhas
carrego fezes nos intestinos
isso tudo parece muito estranho
mas enquanto isso uma velha
jovem olha-me nos olhos e diz que tenho
longos anos de vida sobre a terra
que agonia saber que não se vai morrer
quando se tem um câncer que te consome

Olho no espelho minhas marcas
ao redor dos olhos rugas sensíveis
ao sol diante dos meus olhos
fazem caretas para si mesmas
a vida não faz o menor sentido

É melhor rezar para
um deus qualquer que queira
nos proteger sem cobrar nada em troca
para um deus de cabelos vermelhos como
menino pomerâneo que come queijo
diante da ventania
torcer para que mamãe não me bata mais
esconder-me de papai que quer tocar meus
dedos invisíveis diante da minha tristeza
com carícias especiais
já que o chão embaixo da cama está
repleto de baratas não tenho
mais onde esconder-me
enquanto isso um monstro caminha pelo quarto escuro
enquanto finjo dormir embaixo das cobertas frias

a vida não faz o menor sentido



Imagem : Paul Himmel( Falling Snow, Boy in Window, New York, 1952.)


a criação

A criação
o primeiro dia
a lamparina

Imagem: George Davison, Sea Urchins ,1888.